Mais que um devocional.

Essa foi a reação imediata de Chen Xi  à notícia do suicídio de seu irmão.

O que se seguiu a esse incidente foi um tempo de luta com Deus sobre suas profundas perguntas e profundo sofrimento.

Questionando Deus: como isso pode ter acontecido?

Tendo crescido em uma igreja local que se dedicava a plantar pequenas igrejas em lugares remotos em todo o meu país natal, fui exposta ao trabalho missionário desde o Ensino Médio e sempre senti um chamado para isso. Foi assim que acabei em outro país, em um ministério de necessidades especiais. Eu vi como as pessoas entregaram suas vidas a Jesus, e eu queria fazer o mesmo.

Eu nunca percebi que, por baixo de tudo isso, eu estava me apegando a essa crença – que se fizermos ABC, então Deus fará XYZ; se obedeço a Deus e faço o bem, serei feliz; se eu viver uma vida piedosa, Deus me poupará do sofrimento, da morte ou da dor.

Quando meu irmão morreu, foi difícil até tudo fazer sentido para mim. Não conseguia compreender como Ele podia permitir isso acontecer com a minha família, uma vez que eu tinha servido fielmente ao Seu nome, em um país distante; eu tinha abnegadamente deixado tudo para trás, amizades de longa data e outros confortos que tinha em minha casa. Por que isso tinha acontecido? Deus deveria ser bom, certo?

As pessoas da igreja costumavam me dizer que não podemos reclamar com Deus. Reclamar é pecado (e, em algum nível, ainda acredito que reclamar é sinal de ingratidão). Mas em meio à dor, reclamar é o que nos torna humanos. Os salmos estão cheios de queixas; pessoas desesperadas que queriam que Deus agisse naquele momento.

Li o livro de Jó várias vezes, especialmente aqueles capítulos intermediários impopulares cheios de perguntas, reclamações e agonia, e descobri que as palavras pronunciadas por Jó eram exatamente o que eu sentia. Eu lamentei através dos Salmos. “Tiraste de mim meus companheiros e pessoas queridas a escuridão é a minha amiga mais chegada” (Salmo 88:18). Recitei Lamentações 3:31-33 sempre que tinha meus episódios depressivos.

Pois ninguém é rejeitado pelo Senhor para sempre. Embora ele traga tristeza, ele mostrará compaixão, tão grande é seu amor infalível. Pois ele não traz voluntariamente aflição ou tristeza a ninguém (Lamentações 3:31-33).

Esses livros estão cheios de honestidade sobre a dor, mas também cheios de esperança. Com eles, aprendi não a duvidar sozinha, mas a aprender com aqueles que atravessaram suas dúvidas.

Perguntei a Deus: “Por que tu deixaste esse tipo de dor acontecer à minha família? Eu pensei que eu tinha te servido de todo o coração. Li minha Bíblia, orei, nunca confiei em meu próprio entendimento. Por que meu amigo, que viveu uma vida ímpia, tem uma situação familiar melhor? Eles não tinham que lidar com dor, tristeza ou culpa.

POR QUE EU?

Sempre que eu perguntava por que, encontrava consolo ao ver que havia outros na Bíblia que faziam as mesmas perguntas a Deus. O Salmo 73 foi um exemplo com o qual me identifiquei. E às vezes Deus não respondeu. Mas saber que essa experiência é universal, que não estou sozinha nisso, me confortou.

Antes, eu não tinha percebido que a Bíblia está cheia de personagens que sofreram mesmo obedecendo a Deus, e que a piedade não garante isenção do sofrimento. Até mesmo Jesus, a pessoa mais inocente e sem pecado que já existiu na Terra, sofreu. Até Jesus perguntou “por que” quando estava na cruz.

Ler a Bíblia me consolou porque me mostrou quem Deus é e quem Deus não é. Ele não é uma pessoa que está me vendo sofrer de longe, ou lidando com consequências por coisas que eu nem sabia que tinha feito.

Dia após dia, o Senhor me mostrou que nosso relacionamento não deveria ser transacional. Isso foi difícil para eu entender, já que vivia com essa crença há 30 anos. Percebi que 30 anos indo à igreja e servindo não me tornaram uma verdadeiro cristã. Percebi que tinha sido um cristã egoísta, porque estava servindo a Deus com expectativas, e quando Ele não fez o que eu acreditava que faria, rapidamente fiquei amargurada. Eu me perguntava como poderia começar a servir, adorar, orar e ler a Bíblia sem esperar algo em troca. Foi preciso prática diária e oração fervorosa para passar da falsa crença à verdade:

Deus é Deus e nós somos apenas meros humanos. Não podemos controlar as ações divinas por nossa obediência ou piedade. No entanto, a Bíblia nos diz que Ele é bondoso, amoroso, cheio de compaixão e que nos deu Seu Filho como a maior prova de Seu amor.

A Bíblia me mostrou a verdade, e a esperança brota quando a verdade é repassada. Percebi que não tenho outra pessoa a quem recorrer. Eu só tenho Deus. Então, mesmo com toda a amargura e reclamações, os porquês e comos, e apesar de todas as emoções, eu sabia no fundo que minha melhor opção ainda era correr para o abraço de Deus.

Deus, sei que Tu és poderoso e cheio de sabedoria e amor; tu sabes melhor do que eu, e acredito que podes acabar com isso para sempre. Deus, desejo te amar, não importa o quão doloroso seja.

Voltando à igreja

Eventualmente, comecei a voltar para minha igreja, liderando um pequeno grupo e me juntando a outros ministérios novamente, embora ainda não saiba o propósito dessa experiência dolorosa.

Minha igreja ainda é imperfeita e mal equipada para lidar com pessoas enlutadas, mas acredito que Deus queria que eu usasse essa experiência para servir e receber bênçãos de Seu corpo. Não consigo ver Deus fisicamente, mas a igreja o representa mesmo com todas as suas imperfeições. Eles oraram por mim durante meses, tentaram entrar em contato comigo e me convidar para encontros, tentaram me animar (embora tenha falhado na maior parte), e tentaram me ouvir. E à medida que a amargura foi se dissipando, decidi voltar a participar do ministério, embora não tanto quanto antes; agora que conheço meu limite, tento ao máximo conciliar tudo e manter minha saúde mental e espiritual sob controle.

Às vezes, quando estou mais ocupada do que o normal com o ministério, esta pergunta ainda surge em minha mente: “Qual é o sentido de fazer tudo isso para Deus se minha vida não é poupada da dor?” Sinto falta dos momentos em que posso servir sem pensar muito no que conseguiria ou em todos os “e se”. Mas sempre que estou lutando, lembro-me de voltar a este pensamento:

Quando atravessamos a escuridão e não sentimos que Deus está lá, continuamos assim mesmo e dizemos:

“Eu sei que tu és Deus e não estou ganhando nada com tudo isso, mas ainda vou orar. Ainda vou à igreja e ao culto. Ainda vou amar o meu próximo. Eu ainda vou fazer as coisas que eu deveria fazer”.

Isso nos ajudará a deixar de ver nosso relacionamento com Deus como algo transacional. Quando substituímos nossas expectativas pela verdade da palavra de Deus, vemos Deus como Ele realmente é, e isso nos mantém fundamentados em nossa fé.

Caminhando para a cura

Agora estou de volta ao meu país natal, servindo na mesma escola em que estava antes de partir para a missão. Os professores e alunos me acolheram e é tão reconfortante saber que sou necessária e bem-vinda.

Já se passaram dois anos desde o ocorrido. Tenho guardado tudo para mim e menos de cinco amigos próximos conhecem toda a história. Mas aqui estão alguns indicadores que me dizem que estou caminhando para a cura:

1. Consigo recontar minha experiência (através da escrita ou da fala) sem soluçar incontrolavelmente. Há cerca de dois anos venho registrando minha experiência.

2. Sinto-me menos ressentida com a esposa do meu irmão e sua família por não nos dizer por que isso aconteceu. Eu costumava odiá-la e desejar que algo ruim acontecesse com ela. Mas agora eu desejo que ela também faça essa jornada em direção à cura. Todos nós precisamos.

3. Aprecio ler sobre pessoas que lidam com o luto e ouvir sobre quem viveu com dor prolongada e especialmente aqueles que demonstram grande empatia (meu livro favorito foi escrito por Diane Langberg).

Minha maior lição deste evento não é uma percepção, mas empatia. Acredito que me tornei mais empática com meus amigos. Agora estou mais ciente de que muitas pessoas lutam contra distúrbios mentais e que muitas vezes somos alheios, pensando que estão bem quando realmente precisam de ajuda.

Eu tentei o meu melhor para educar minha igreja de que as pessoas enlutadas não precisam de versículos bíblicos recitados para elas; não precisam de conselhos não solicitados. O que precisam é que você chore com elas. Também compartilhei em minhas mídias sociais que obter ajuda é totalmente aceitável, que consultar um conselheiro ou psiquiatra não nos torna incrédulos, e que terapia, medicação e oração podem andar juntas.

Doença mental, suicídio e luto ainda são assuntos tabus em minha cultura, mas espero que as coisas progridam e melhorem e que os cristãos possam estar bem equipados nessa área para ajudar os necessitados.

Não há problema em pedir ajuda. Se você ou alguém que você conhece está com dificuldades, sempre haverá alguém pronto para ouvir e ajudar.

Obtenha ajuda e suporte entrando em contato com a rede de apoio local de prevenção ao suicídio.

Originalmente publicado no @ymi_today, que faz parte de Ministérios Pão Diário, em inglês. Traduzido e republicado com permissão.

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Perguntas frequentes

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