A Bíblia tem muito a dizer sobre os perigos, as raízes e como controlar a raiva.
Tim Jackson
A raiva é mais simples de definir do que de identificar. As expressões de raiva variam da hostilidade aberta e evidente à fria indiferença de um olhar silencioso.
Às vezes, a raiva pode parecer um fogo interior. Vemos tudo vermelho, sentimos calor e suor. Nosso estômago embrulha, nossa pressão arterial sobe e nossa respiração acelera. Nosso corpo responde a essa turbulência interna com uma aparência corada. Transpiramos e nosso maxilar se contrai.
No entanto, a raiva também pode ser vivenciada como submissão externa, enquanto a mágoa e a hostilidade fervilham logo abaixo da superfície. O retraimento silencioso e a falta de envolvimento de um dos cônjuges costumam ser indícios de que um está punindo o outro com raiva por não fazer as coisas à sua maneira. Até mesmo a recusa de sexo no casamento se torna uma arma de raiva, em vez da expressão de amor compartilhado.
A Bíblia tem muito a dizer sobre os perigos, as raízes e como domar a ira. Com imagens vívidas, as Escrituras descrevem as narinas dilatadas de uma pessoa que demonstra ira (Gênesis 39:19; Êxodo 4:14) . Outra fala da ira como uma emoção que arde furiosamente (Êxodo 22:24; 32:10-12). A ira também é retratada como uma explosão de fogo que consome tudo em seu caminho (Ezequiel 22:21-22, 31).
Precisamos de discernimento para ver nossa raiva do ponto de vista de Deus.
Várias passagens na Bíblia nos incentivam a nos livrar de qualquer tipo de amargura, raiva ou ira (Efésios 4:31; Colossenses 3:8). No entanto, a Bíblia nem sempre pinta um quadro negativo da raiva. A grande maioria das referências bíblicas a palavras como ira, raiva, furor e fúria referem-se à ira de Deus. As seções que falam da ira de Deus contra Seus inimigos ou contra Seu próprio povo superam em muito o número de passagens que nos dizem para evitar a ira. O que a Bíblia nos mostra é que a raiva não é certa nem errada até que haja um motivo. A raiva pode ser produtiva e amorosa, assim como pode ser destrutiva e egoísta. Precisamos de discernimento para ver nossa raiva do ponto de vista de Deus.
A raiva egoísta
Na maioria dos casos, a raiva que leva uma pessoa a prejudicar a si mesma ou aos outros é a egoísta. É o tipo de raiva que destrói em vez de construir. É mais como uma bola de demolição do que um martelo.
A primeira menção explícita à ira na Bíblia demonstra seu potencial para matar. Gênesis 4 nos conta a história de Caim e Abel. Ambos os homens ofereceram sacrifícios a Deus que refletiam suas ocupações individuais. Mas somente Abel ofereceu um sacrifício que agradou ao Senhor.
“Caim se enfureceu e ficou transtornado” (v. 5). Aqui, a palavra hebraica para enfurecido significa “fúria ardente”. Deus se aproximou de Caim e tentou ajudá-lo a lidar com sua raiva fervente. O Senhor deixou claro que desejava aceitar Caim, mas ele tinha que vir segundo as condições de Deus, não do seu próprio jeito (vv. 6-7). Então Deus deu a Caim um aviso contundente: “Se você fizer o que é certo, será aceito. Mas, se não o fizer, tome cuidado! O pecado está à porta, à sua espera, e deseja controlá-lo, mas é você quem deve dominá-lo.” (v. 7).
Caim teve que fazer uma escolha. Seu orgulho estava ferido. Ele estava magoado e irado porque Deus não aceitaria o fruto do seu trabalho da mesma forma que aceitou o fruto do trabalho de Abel. No entanto, Deus lhe deu a oportunidade de lidar com suas emoções. O irmão mais velho poderia ter se arrependido e oferecido o sacrifício que Deus havia pedido. O Senhor, por sua vez, o teria aceitado. Mas Caim teimosamente se recusou a se colocar sob os cuidados protetores de Deus. Em vez disso, decidiu resolver a situação por conta própria.
Sabendo que era impotente para atacar diretamente a Deus — o verdadeiro objeto de sua ira — Caim lançou-se sobre aquele em quem Deus se agradava: seu irmão Abel. Caim o assassinou brutalmente. Seu coração se endureceu tanto que, quando Deus veio a ele e perguntou onde estava seu irmão, Caim respondeu sarcasticamente: “Por acaso sou responsável por meu irmão?” (v. 9 ). Deus lhe disse: “O que você fez? Ouça! O sangue de seu irmão clama a mim da terra!“, e lançou uma maldição sobre Caim, condenando-o a ser um errante sem rumo pela terra (vv. 10-12 ).
Na última vez que vemos Caim, ele ainda está determinado a viver sua vida em uma guerra furiosa contra Deus. Em vez de aceitar a maldição de Deus sobre ele e se tornar um andarilho, ele novamente desafia a Deus e constrói uma cidade (v. 17 ). Caim é um excelente exemplo de um homem que se protege e provê com raiva, em vez de se humilhar e aceitar a direção e a correção de Deus (1 Pedro 5:6).
Caim pagou caro por sua estratégia de autoproteção. Por confiar mais em seus próprios sentimentos do que em Deus, seu nome tornou-se sinônimo do potencial assassino da raiva egoísta. O erro de Caim nos lembra que a raiva enraizada em esforços egocêntricos para cuidar de nós mesmos nunca funciona. Tal raiva busca destruir, não construir. Este é o tipo de emoção perigosa que Tiago tinha em mente quando disse: “A ira humana não produz a justiça divina” (Tiago 1:20 ). Tal raiva é muito diferente da ira piedosa que é boa, construtiva e amorosa.
A raiva produtiva
A Bíblia proibe claramente a ira destrutiva. Isso tem levado muitos a acreditar que a Bíblia ensina que toda ira é pecaminosa. Vejamos uma passagem bem conhecida. Interpretamos de forma errada Efésios 4:26 porque achamos que o texto diz: “Não fique zangado, porque isso é pecado. Não deixe o sol se pôr enquanto você ainda estiver zangado”. Mas uma análise cuidadosa de Efésios 4:26-27 não sustenta a suposição de que a ira em si seja pecaminosa. O apóstolo Paulo diz: “não pequem ao permitir que a ira os controle”. Mas ele não para por aí. Este mandamento é qualificado por três declarações:
A primeira não é evitar a raiva, mas evitar a raiva pecaminosa. Se não controlarmos nossas emoções antagônicas, elas deixarão de ser úteis para conter o pecado e, por conta dessa falta de controle, começarão a multiplicá-lo.
A amargura esgota nossa paixão pela vida. Ela desloca a fé e o amor. Uma vez que a fé e o amor se vão, caímos em uma espiral de cinismo e vingança.
A segunda é: “Acalmem a ira antes que o sol se ponha” (v. 26). Isso nos ensina a lidar com a nossa raiva assim que a percebermos. Não a guardemos dentro de nós, remoendo-a. Ela só vai apodrecer. Tire-a da escuridão e exponha-a à luz. Deixe a verdade queimar a sua raiva egoísta antes que ela cresça, se aprofunde e endureça.
O terceiro, “pois ela cria oportunidades para o diabo” (v. 27) reflete uma progressão na série de mandamentos de Paulo. Satanás sabe como explorar a raiva egoísta. Uma vez que ele nos faz alimentar e justificar nossa raiva egoísta, ele sabe que não estamos longe do ódio, da vingança, da recusa em perdoar e da violência.
A raiva contra os que possuem mais do que nós justifica o roubo (v. 28 ). A raiva provocada por uma consciência pesada nos permite negar a verdade, distorcê-la e denegrir ou difamar os outros (v. 29). Nossa raiva pode entristecer o Espírito Santo (v. 30), e se resistirmos à Sua gentil provocação, nossa raiva pode degenerar no pecado da amargura (v. 31). A amargura esgota nossa paixão pela vida. Ela desloca a fé e o amor. Uma vez que a fé e o amor se vão, descemos em espiral para o cinismo e uma vida vingativa.
O tipo certo de raiva
Uma linha tênue separa a raiva amorosa da raiva egoísta. Evitar completamente a raiva é outra maneira de dar vantagem a Satanás. Muitas pessoas evitam a raiva a todo custo porque experimentaram a emoção volátil da raiva em si mesmas e nos outros. De acordo com Efésios 4:26, essa não é uma opção que Deus nos dá.
Fazemos o jogo do diabo quando não conseguimos amar o suficiente para sentir raiva. Raiva e amor não são mutuamente exclusivos. A raiva justificada de uma pessoa compassiva pode levar ao bem-estar dos outros.