Mais que um devocional.

Carlos é um Engenheiro Florestal por formação e missionário por vocação. É seguidor de Jesus, ambientalista por convicção, e estudante de Teologia. Carlos ama evangelização de escolas e faculdades e acredita que foi chamado por Deus para treinar ‘um exército’, que manterá a chama acesa e invadirá as escolas, e os campus, com o poder do evangelho. É membro da Comunidade Presbiteriana Central. Sempre envolvido com evangelização estudantil, hoje atua liderando o Estudantes em Ação Brasil, ministério parte da Mocidade para Cristo do Brasil, e faz parte do time da Interfaith Rainforest Initiative, uma iniciativa da ONU pela proteção das florestas tropicais. É trilheiro nas horas vagas, ama cozinhar, apaixonado por livros e por reunir os amigos.


  • O que um engenheiro florestal faz e/ou pode fazer?

A engenharia florestal é a área da ciência que atua com os recursos naturais, então, quando paramos para pensar nos recursos que existem, nós temos a água, florestas, e o engenheiro florestal é o profissional que está habilitado a manejar esses recursos, especialmente os que vêm das florestas. Então, falamos de toda a madeira, as árvores, sementes, os frutos, enfim, tudo o que é gerado dentro de uma floresta. A gente se divide em duas grandes áreas: a área de conservação, aquela galera que trabalha na preservação focada nas unidades de conservação, em proteção do meio ambiente, e uma segunda área mais voltada para a indústria, que lida com o manejo propriamente dito, por exemplo, a extração da madeira para produzir seja lá o que for necessário, ou, então, cultivar uma floresta plantada com alguma finalidade. Tudo o que está relacionado com coisas industrializadas.

 

  1. Qual a diferença entre o engenheiro florestal e o ambiental?

Dez em cada dez pessoas fazem essa pergunta. O engenheiro ambiental também cuida do meio ambiente, mas o seu foco é a cidade, ele olha para os resíduos que a cidade está produzindo e pensa em como tratar isso, seja o tratamento de esgoto, seja o de água, geração de energia elétrica. Já o engenheiro florestal, está realmente mais focado nos recursos em si. Mas qualquer um dos dois engenheiros vão atuar com licenciamento, emitindo autorizações para a empresa se adequar com as questões ambientais, e os dois também atuam com a recuperação de áreas degradadas, assim, se você tem uma área que foi poluída, degradada, os dois podem atuar nisso. Então, por mais que existam esses pontos de contato, de novo, a grande diferença é esta: o engenheiro ambiental está focado nas cidades, e o florestal está focado em atuar com os recursos propriamente ditos.

 

  1. Como você decidiu que deveria ir para essa área? Houve alguma interferência divina?

Houve sim uma interferência divina. E foi assim, eu sempre tive a certeza de que eu queria fazer jornalismo, e eu passei a vida inteira falando que eu faria isso na federal de Viçosa. Quando eu cheguei no terceiro ano do ensino médio, baixou uma lei dizendo que não precisava mais da formação superior em jornalismo para ser jornalista, aquilo me pegou e eu pensei “caraca, eu posso exercer outra profissão e ainda ser jornalista!”, e, então, eu comecei a olhar outros cursos, mas não conseguia me identificar com nenhum, e durante o meu terceiro ano eu rodei por muitos deles. Ainda naquela época existia segunda fase para o vestibular, você fazia o enem, e depois havia uma segunda fase com as disciplinas específicas do curso escolhido, no meu caso, engenharia florestal, então, foi química e matemática, mas durante o ano eu estudei para todas as específicas, e comecei a desistir da área de humanas quando comecei a estudar para a de português, pensei comigo, “nossa, eu não quero isso para mim nunca na minha vida, não vou fazer isso comigo”, e aí, abandonei português. Comecei, então, a olhar as outras, eu amava história, química, e continuei nessa pegada, estudei principalmente história e matemática, porque eu pensei assim: “se eu decidir uma coisa mais de humanas, tem história que é bem no meio do caminho, e se eu decidir exatas, tem matemática”. Nesse meio tempo, eu comecei a me envolver muito com a Mocidade Para Cristo, e comecei a me envolver muito com causas sociais, por exemplo, em todos os meus sábados do terceiro ano do ensino médio, eu ia trabalhar em alguma Casa Lar, ajudando crianças e fazendo outras coisas. Me senti inclinado, então, a fazer alguma coisa nessa área social, algum curso em que eu pudesse me engajar mais nessas questões, mas nada dava certo. Quando chegou a época de fazer a inscrição para o vestibular, eu fiz umas três, quatro inscrições, e não paguei nenhuma, fiquei me segurando porque eu não tinha certeza (e é muito cruel o nosso modelo brasileiro de faculdade nesse processo de escolha, porque até o terceiro ano, em nosso modelo educacional, seus pais decidem tudo por você, e aí, chegamos no terceiro ano, e o pessoal acha que estamos prontos para decidir o que que queremos fazer para o resto de nossas vidas), eu estava vivendo essa pressão. Aconteceu, então, um culto de missões na minha igreja, e nesse culto o missionário falou: “vocês acham que querem fazer missões, e por isso precisam ir para a área da saúde, precisam fazer jornalismo, ou serviço social, porque vocês acham que só existem essas áreas nas missões, mas vai muito além disso. Eu nunca vi ninguém pensando em comunidades, psicologia ambiental, em meio ambiente, e querendo ir para o campo trabalhar com essa área”, naquele momento, acendeu uma minha luz em minha cabeça, e quando eu cheguei em casa, fui estudar mais sobre essa área de ser humano e meio ambiente para ver o que existia. Encontrei engenharia florestal, e, na semana seguinte, fui fazer um teste vocacional, esse teste te dá vários cursos, várias áreas, e você escolhe, o que é a grande verdade que a psicologia trabalha, e que é uma verdade do evangelho também, é que você é muito além do curso, você não é o que você faz, Deus te fez completo, e, então, você vai fazer alguma coisa, mas aquilo não te define. Para mim saiu jornalismo, política, mas também saiu engenheiro ambiental, florestal e até mesmo pastor, foi muito bacana, e foi nesse processo de escolha que escolhi a engenharia florestal, me apaixonei, e já entrei muito certo de que queria trabalhar com psicologia ambiental para poder trabalhar essas relações entre ser humano e meio ambiente. Então, esse foi o meu processo de escolha, e foi essa a intervenção divina que começou lá naquele curso de missões. 

 

  1. Dando uma breve pesquisada sobre engenharia florestal, compreendi que o engenheiro florestal é responsável por planejar, organizar e controlar o uso de recursos naturais renováveis e ambientais. Como você se sente sendo responsável por ajudar a administrar os recursos que o Senhor nos disponibilizou?

Em primeiro lugar eu fico muito feliz, porque eu não sei se vocês sabem, mas essa é a profissão que vai ser mantida no céu, porque a psicologia vai acabar, já que todas as lágrimas serão enxugadas, a medicina também, mas a engenharia florestal vai estar lá firme e forte persistindo. Mas enfim, é muito especial nós olharmos não apenas esse processo da administração, mas para nós que seguimos Jesus, o que fica muito claro para mim, é que toda a compreensão de evangelho que a gente tem parte da doutrina da criação, parte do meio ambiente, então, ele é algo muito central nas escrituras. Quando vamos para Deuteronômio e observamos como Deus trata essa relação quando ele fala que se o povo guardar os mandamentos dele, eles serão bem sucedidos, mas se não guardarem, virão doenças, pestes, secas, desmatamentos, percebemos que, em resumo, virá uma crise climática. Então, é muito especial mesmo trabalhar essa relação entre a fé e o meio ambiente, e ter essa oportunidade de cuidar daquilo que Deus fez, de poder olhar atuar diretamente naquilo entendendo que essa criação está ansiando pela manifestação dos filhos de Deus, Ele quer que atuemos diretamente na natureza, e olharmos para aquilo como irmãos, assim como São Francisco de Assis falava: “a natureza é a nossa irmã”, então, existe todo esse olhar de carinho, e é muito especial poder fazer parte disso.

 

  1. Em Gênesis 2:15, está escrito: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar”. Sabemos que devemos preservar o meio ambiente, mas ao mesmo tempo temos necessidades pessoais e sociais que precisam ser supridas. Como deve ser essa relação entre o cristão, o meio ambiente e o consumo?

Eu acredito muito que nós temos sido maus mordomos da criação, e toda a crise climática que nós temo vivido é a prova disso, estamos vendo ano após ano tantas enchentes, a temperatura aumentando, e aí surge aquela velha história que escutávamos na escola sobre a crise climática que estava chegando, na verdade, ela já chegou, e agora nós colhemos as consequências de não termos dado ouvidos à Palavra de Deus e às Suas orientações sobre o cuidado com a criação. Então, para sermos bons mordomos da criação, precisamos olhar para as escrituras, e entendermos como devemos cuidar disso tudo. Por exemplo, ela nos fala que devemos deixar a terra descansar de tempos em tempos, fala sobre a domesticação de animais, há muitas orientações. Eu acredito que tudo isso parte da má relação da visão que temos do meio ambiente, achamos que são coisas distintas, existem os recursos que eu exploro, mas também preciso cuidar, como se essas coisas caminhassem em lados opostos, mas, na verdade, elas caminham juntas. Essa é a chave que precisa mudar em nossa mente, não é uma disputa entre conservação, preservação, cuidar do meio ambiente e o consumo disso. No nosso caso, é preciso haver um olhar sobre o que é ser cristão, sobre como nós devemos consumir, mas para a sociedade de modo geral, é preciso trazer esse entendimento que existem formas alternativas de se consumir. Nós não precisamos destruir tudo para alcançarmos a felicidade. Existe muito esse paradigma da felicidade, nós falamos que precisamos preservar as florestas, mas num calor desses eu quero mais é usar o ar-condicionado, isso é um problema e precisamos fazer essa reflexão do quanto nós estamos dispostos a fazer isso. Nós precisamos dessa visão de que somos parte do meio ambiente, Deus criou todas as coisas que o ser humano precisava para sobreviver antes de criá-lo, então, preciso entender que se eu destruir tudo aquilo que Ele criou antes, eu não sobrevivo enquanto ser humano, e é isso que precisa mudar em nossas mentes. Então, quando eu falo que posso diminuir o consumo de carne porque hoje uma das grandes questões da emissão de gás de efeito estufa, no Brasil, é o desmatamento para a produção de gado, e para a produção de alimento para esse gado, se diminui a demanda do mercado pela produção de carne e vai colaborar com o meio ambiente. Esse exemplo nos faz entender o que é importante para sobrevivermos. A Amazônia é um exemplo, ela está num processo de desertificação, e se antes contávamos vinte anos para isso, passamos para cinco anos, nós temos menos que cinco anos para mudarmos as coisas, e para mudarmos essa cultura de consumo desenfreada do ‘ser feliz’, do ‘hedonismo’, o que, na verdade, é pecado. Outro exemplo muito prático, nós temos hoje a cultura do fast fashion, vamos às lojas de departamento do shopping, compramos uma roupa, mês que vem compramos outra, e isso é tão absurdo que existem ilhas cheias de roupas descartadas. Nós precisamos começar a pensar em aproveitarmos as nossas roupas por mais tempo, podemos comprá-las num bazar, podemos trocá-las com outras pessoas. Todas essas são atitudes mais conscientes, e elas diminuem a pressão sobre o meio ambiente. Nós, enquanto seres humanos, temos pressionado muito o meio ambiente, e essa pressão nos leva para um modelo de consumo insustentável, então, precisamos diminuí-la compreendo que fazemos isso para a glória de Deus porque é um dever, e ao não respeitarmos o meio ambiente, estamos pecando contra Deus e a criação dele. 



  1. Como fazemos para mudar o nosso consumo exagerado e a pressão que estamos exercendo sobre o meio ambiente?

Vou falar sob duas perspectivas, a primeira é quanto seguidores de Jesus. Nesta, precisamos começar dentro das nossas comunidades religiosas. Porque se não mudarmos essa realidade dentro das igrejas, a sociedade não enxergará isso. Durante a reforma protestante, por exemplo, a Igreja puxou todo o desenvolvimento social, toda a parte das ciências modernas, nós temos o pai da ciência moderna, o da microbiologia, o da genética, todos eles foram seguidores de Jesus, e eles revolucionaram suas áreas, trouxeram luz a respeito desse tema. Precisamos, então, fazer isso novamente, e começarmos pelas atitudes das nossas igrejas que têm sido insustentáveis. Um exemplo é o nível de descartáveis que consumimos na igreja, é um absurdo. O plástico não se decompõe, ele vira microplástico, e vivemos essa problemática de começarmos a enxergar plástico na corrente sanguínea, os pulmões, e isso é terrível e precisamos mudar. Existe uma igreja no Acre com um programa muito legal de coleta de óleo (o óleo é um outro problema, já que após ser descartado de maneira errada, ele acaba voltando para os mares). Ela instalou um ponto de coleta, e esse óleo é vendido para empresas que compram, então, eles geram recursos para a igreja. Conheço uma outra igreja que tem uma área gigante, e dedicará parte dessa área para reflorestamento, há uma outra também, no Pará, que trocou todo o sistema de energia por energia solar, e, enfim, são bons exemplos para a sociedade. O constrangimento social que a Igreja faz hoje, é o constrangimento ético, as pessoas precisam nos olhar e dizer que nós vivemos diferente, “eles cuidam do meio ambiente como alguém que ama mesmo a criação, isso é realmente importante para eles”. O grande problema é que o nosso discurso é um, e a nossa prática é outra, e então as pessoas nos olham e veem que se nós, os ‘detentores da moralidade’, não estamos vivendo o que dizemos, quem dirá eu que sou pecador, que já estou no inferno. E esse pensamento é muito recorrente na nossa cultura brasileira cristianizada, as pessoas ainda olham para a Igreja como o padrão moral e ético a ser vivido, os princípios crstaois ainda imperam na sociedade, então, nós precisamos dar bons exemplos na área ambiental, precisamos desenvolver planos de educação ambiental, falar sobre esse cuidado com a criação nas escolas dominicais, e mostrar que a bíblia fala sobre esse assunto. 

Agora sob outra perspectiva, pensando na sociedade voltada diretamente para as questões ambientais, acredito que há o caminho das políticas públicas, para apoiar, investir e fazer pressão política para defender o meio ambiente e as nossas árvores, porque no Brasil, a grande questão da emissão do carbono está ligada com o desmatamento, enquanto nos outros países está muito ligada ao petróleo. E há várias formas de fazermos isso, contatarmos o site do Senado, o da câmara, entrarmos em contato com os políticos para que eles se posicionem a respeito disso, e também nos engajarmos às causas locais dentro do bairro, para causarmos uma reação em cadeia, porque o meio ambiente tem esse poder, quando fazemos em um bairro, logo o outro copiará porque foi legal. Mas eu realmente acredito que o que funciona é quando a Igreja puxa o negócio, nós temos um poder que nós mesmos desconhecemos, os movimentos sociais sempre partiram da Igreja, e nós perdemos esse contato com a sociedade, mas nós podemos causar transformação, porque a nossa causa não é simplesmente mais uma causa que vai acabar com o tempo, e depois outra coisa ocupará o meu coração, o nosso compromisso é com Cristo e com a Palavra de Deus.

 

  1. Em 1 Coríntios 10:31, o Apóstolo Paulo fala sobre fazer tudo para a Glória de Deus, como um engenheiro florestal pode fazer da sua profissão um ato para a glória de Deus?

Compromissado com a glória de Deus. O nosso compromisso enquanto engenheiros florestais precisa ser realmente o de cuidar dessa criação, e infelizmente, a pressão para que ela seja destruída, e para que se façam de qualquer jeito os processos de legalização ambiental, é muito grande, há muito dinheiro envolvido e precisamos guardar o nosso coração, porque se o meu compromisso é cuidar da criação, precisamos agir de forma ética usando o que aprendemos a faculdade. Vejo tanto profissional da área desrespeitando a criação, e nós tivemos a mesma formação. Eu me lembro claramente de uma aula que eu tive na faculdade sobre trabalho escravo, porque é tão bizarro o negócio, que nós precisamos de uma aula para falar que não podemos escravizar pessoas para atuarem numa carvoaria, e que não podemos colocar crianças num forno de carvão. Mas não existem desculpas, nós todos tivemos a mesma formação, nós sabemos como não destruir o meio ambiente, e como fazer a extração, e o manejo dos recursos sem pressionar a terra até ela não conseguir se recuperar. Então, como seguidores de Jesus, precisamos sustentar o compromisso e não agirmos assim. Quando chegar um documento para você assinar de uma área de preservação permanente, que não pode ser mexida, você não vai assinar, ou quando quiserem que você use mais agrotóxicos que o recomendado para obter resultados mais rápidos, você não vai fazer, porque o seu compromisso é com a criação de Deus. É sobre realmente ter essa consciência de quem você serve, de entender o que Deus pensa dessa criação que Ele fez, e de como Ele quer que ela seja cuidada. E aí sim você vai fazer para a glória de Deus.

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