Perdoar não significa esquecer de lembrar, mas sim lembrar de esquecer. Parece um paradoxo, mas não é. Nós nos lembramos do que aconteceu, possivelmente toda vez que encontramos o ofensor. Mas declarar “eu te perdôo” não é se envolver em amnésia intencional.
Gary Inrig
Perdoar é… complicado. Em nossa época, o perdão tornou-se pouco mais do que uma forma terapêutica de nos distanciarmos daqueles que nos prejudicaram. No entanto, a essência do verdadeiro perdão é muito mais rica do que podemos imaginar.
E quanto a perdoar a Deus ou a nós mesmos? Esperamos que aquele que nos prejudicou diga “Sinto muito”? Como podemos perdoar quem não se arrepende? Como é o arrependimento genuíno?
As melhores respostas surgem quando ouvimos atentamente um homem chamado Jesus, o mestre do perdão.
A declaração mais sucinta de Jesus sobre o perdão está registrada em Lucas 17:3-4. Lemos Suas palavras no contexto mais amplo dos versículos 1-5.
Jesus disse aos seus discípulos: “Coisas que fazem as pessoas tropeçar certamente virão, mas ai daquele por meio de quem elas vierem! Seria melhor que fossem lançadas no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço do que fazer tropeçar um destes pequeninos. Portanto, tomem cuidado. Se o seu irmão pecar contra você, repreenda-o; e se ele se arrepender, perdoe-o. Mesmo que peque contra você sete vezes no dia e sete vezes volte a você dizendo: ‘Estou arrependido’, você deve perdoá-lo. ” Os apóstolos disseram ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!”
Jesus não se desvia para discutir o caso dos impenitentes. Sua ordem é clara: se ele se arrepender, perdoa-o. O registro de uma pessoa perdoada é limpo.
O perdão é… complicado.
O Senhor sublinhou a natureza extraordinária do perdão com Suas palavras esclarecedoras em Lucas 17:4: “Mesmo que pequem contra ti sete vezes no dia e sete vezes vierem a ti dizendo: ‘Estou arrependido’, perdoa-lhes”. Podemos tropeçar nisso se nos determos em como uma pessoa pode verdadeiramente se arrepender sete vezes ao dia. Jesus não estava incentivando palavras baratas de arrependimento; Ele estava dizendo que Seus seguidores devem imitar a maravilhosa graça de Deus, que nos persegue em meio à nossa pecaminosidade e obstinação. O perdão não é conquistado, mas concedido, e é concedido generosa e graciosamente.
Observe que somente a pessoa que foi injustiçada pode perdoar. Pessoas me confessaram pecados contra outra pessoa ou organização e depois me pediram perdão. Mas se eu não sou parte da ofensa, não posso perdoar. O perdão deve vir daqueles que foram injustiçados.
Jesus exige que perdoemos o arrependido. Isso significa abrir mão do desejo de vingança ou do “direito” de exigir que ele pague pelo que fez. Perdoar é dizer: “Você está livre. Sua dívida está paga.”
Perdoar não significa esquecer de lembrar, mas sim lembrar de esquecer. Parece um paradoxo, mas não é. Nós nos lembramos do que aconteceu, possivelmente toda vez que encontramos o ofensor. Mas declarar “eu te perdôo” não é entrar em amnésia intencional. Estou me comprometendo a não tratá-lo com base no que você fez, mesmo que eu me lembre do que foi. O tempo pode amenizar a dor, mas é improvável que ela seja completamente apagada da memória.
Desmond Tutu, que liderou os esforços de reconciliação pós-apartheid para a nação da África do Sul, disse bem:
Perdoar e reconciliar-se não significa fingir que as coisas são diferentes do que são. Não significa dar tapinhas nas costas uns dos outros e fechar os olhos para o que está errado.¹
O perdão olha o pecado nos olhos e diz as palavras difíceis: “Eu te perdôo”.
[S]ó a pessoa que foi injustiçada pode perdoar.
Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que o perdão não restaura necessariamente o status quo. Perdão não é o mesmo que reconciliação. O perdão limpa a conta; não reconstrói a confiança instantaneamente. O perdão é dado; a reconciliação é conquistada. O perdão cancela dívidas; não elimina todas as consequências. Por exemplo, uma esposa que sofreu abusos do marido pode perdoá-lo, mas não é sensata permitir que ele volte para sua casa a menos que haja evidências claras, ao longo do tempo, de uma mudança profunda. Um marido pode perdoar genuinamente sua esposa adúltera, mas isso pode não significar que o casamento será restaurado automaticamente. Reconciliação e perdão estão relacionados, mas são bastante distintos.
Em suma, o perdão envolve escolha e processo. O verdadeiro perdão não pode ser reduzido a uma fórmula simples, mas é útil considerar quatro etapas.
Encare os fatos
O perdão autêntico exige que identifiquemos o que aconteceu e entendamos seu significado. Aqui estão quatro perguntas úteis:
- Quão grave foi a ofensa? Algumas coisas exigem mais paciência do que perdão. Se eu transformar cada ofensa em uma questão de Lucas 17, vou devastar meus relacionamentos com minha intensidade e egocentrismo.
- Quão aberta está a ferida? Não é apenas uma questão de tempo. É possível que eu esteja “cutucando a casca” para mantê-la aberta.
- Quão próxima a pessoa está de mim?
- Quão significativo é o nosso relacionamento?
Sinta os sentimentos
Existe o perigo do “perdão rápido” — uma declaração verbal precipitada que nos impede de processar a violação. Se estivermos em um estado de entorpecimento emocional ou negação enquanto tentamos entender a violação, não estamos em condições de declarar o trabalho de perdão concluído. Um encerramento rápido pode, na verdade, prolongar o processo.
O outro extremo é a tentação de retardar o perdão, um constante “ainda não me sinto pronto”, que pode ser uma forma sutil de infligir punição ao ofensor. Entre esses dois extremos, há um momento apropriado para lamentar a perda do que poderia ter sido. Será uma tristeza misturada com raiva pelo mal que nos foi feito. Mas essa raiva, por mais justificada que seja, deve ser cuidadosamente monitorada em vista do mandamento: “Não peques quando estiveres irado. Não se ponha o sol enquanto vocês ainda estiverem irados” ( EFÉSIOS 4:26 ).
Uma Decisão e uma Declaração
O perdão é, em última análise, um ato de vontade, não um despertar de emoções. Para um seguidor de Cristo, é uma questão de obediência. O perdão é uma escolha interior que produz uma declaração: “Eu te perdoo”. Quando digo essas palavras, declaro que o problema entre nós está morto e enterrado. Estou dizendo que não vou ensaiá-lo, revisá-lo ou renová-lo. Quando vier à mente, eu o levarei ao Senhor, não a você.
Quando eu tinha 15 anos, convenci meu pai a me deixar dirigir o carro para casa, vindo da igreja, num domingo. Infelizmente, perdi o controle do carro em uma esquina e bati em um poste de luz, causando centenas de dólares em danos ao carro. Fiquei envergonhado e com medo. Enquanto o vapor saía do radiador, antes mesmo de sairmos do carro, meu pai se virou para mim e disse: “Está tudo bem, Gary. Eu te perdoo.” Em nenhum momento, pelo resto da vida, meu pai mencionou esse acontecimento, mesmo que tenha lhe custado muito dinheiro. E ele me deixou usar o carro de bom grado quando tirei minha carteira de motorista.
Atualize-o
O perdão não é uma decisão única. Lembro-me de como, depois de perdoar alguém que me magoou profundamente, lutei contra meus sentimentos nos dias e semanas seguintes. Eu disse: “Eu te perdoo”, e falei sério. Mas tive que me lembrar repetidamente de que precisava manter esse compromisso. O pecado certamente não foi apagado da minha memória; na verdade, eu tinha a tendência de remoer o pecado, de repeti-lo indefinidamente. Então, travei uma batalha interior, e foi somente trazendo-o continuamente ao Senhor e confiando em Sua ajuda que consegui evitar trazê-lo à tona novamente.
C.S. Lewis observou: “Perdoar por um momento não é difícil, mas continuar perdoando, perdoar a mesma ofensa toda vez que ela volta à memória — essa é a verdadeira luta.”2
Durante a Segunda Guerra Mundial, a família de Corrie ten Boom foi pega escondendo judeus. Ela e a irmã foram enviadas para Ravensbruck, um dos campos de concentração nazistas, onde Corrie viu a irmã e muitas outras pessoas morrerem. Em 1947, ela retornou à Alemanha para pregar o Evangelho.
Em uma de suas palestras, Corrie falara sobre o perdão de Deus. Após o culto, uma longa fila de pessoas esperava para falar com ela. Ela viu, na fila, um rosto terrivelmente familiar — um homem que fora um dos guardas mais cruéis do campo de prisioneiros. Ao vê-lo, uma série de lembranças dolorosas inundaram sua mente. O homem aproximou-se dela, estendeu a mão e disse: “Uma bela mensagem, Fraulein. Como é bom saber que todos os nossos pecados estão no fundo do mar.” Corrie não apertou a mão dele, mas procurou na bolsa. Seu sangue gelou. Ela o conhecia, mas ele obviamente não a reconheceu. Isso era compreensível. Afinal, ela era apenas uma prisioneira sem rosto entre dezenas de milhares. Então ele disse: “Você mencionou Ravensbruck. Eu era guarda lá. Mas, desde então, me tornei cristão. Sei que Deus perdoou as coisas cruéis que fiz lá, mas gostaria de ouvir isso da sua boca também.” Novamente ele estendeu a mão: “Fraulein, você me perdoa?”
Como poderia, depois de tudo o que acontecera? Sua mão não se movia, mas ela sabia que o Senhor queria que ela o perdoasse. Tudo o que podia fazer era clamar interiormente: “Jesus, me ajude. Eu posso levantar a minha mão, mas o Senhor terá que fazer o resto.” De forma rígida e mecânica, ela levantou a mão para pegar a dele. Ela estava agindo por obediência e fé, não por amor. No entanto, mesmo ao fazê-lo, ela experimentou a graça transformadora de Deus. Ela escreve:
“Eu te perdoo, irmão!”, gritei. “De todo o meu coração!” Por um longo momento, apertamos as mãos um do outro, o ex-guarda e o ex-prisioneiro. Eu nunca havia conhecido o amor de Deus tão intensamente como naquele momento. Mas mesmo assim, percebi que não era o meu amor. Eu havia tentado, mas não tinha força. Era o poder do Espírito Santo.
Este artigo foi extraído de “O Risco do Perdão” , um recurso da série Discovery do Ministério Pão Diário . Para ler mais deste artigo ou solicitar um exemplar do livreto, clique no banner abaixo.