Ao longo da minha história pessoal, tenho aprendido muito por meio de coisas que vivencio. Muitas delas têm me afetado positivamente e me feito crescer. Dentre elas, gostaria de compartilhar algo que me trouxe um despertar quanto a esta realidade que simplesmente não enxergava: a pessoa do surdo e o seu universo.
Anos atrás, hospedei em minha casa uma surda e sua intérprete. Eu via as pessoas surdas que frequentavam minha igreja, mas não sabia, de fato, quem eram até conviver com um deles por alguns dias sob o mesmo teto. Certo dia, enquanto assistia um musical, Belinda, minha hóspede surda, se aproximou de mim e pediu que eu ligasse a legenda, pois assim ela poderia participar daquele momento com a gente, os ouvintes. O pedido dela foi como uma luz que dissipou minha ignorância sobre sua condição: a privação da audição e a barreira de comunicação, pois nossas conversas eram via intérprete. Percebi que ela não desviava seu olhar da TV, pois se o fizesse perderia o que estava acontecendo ali. Por instantes, tentei me colocar no lugar dela e imaginar o que seria para mim viver num mundo onde o silêncio é a regra e não a exceção, num mundo em que as mais belas melodias não poderiam ser ouvidas, somente entendidas por meio da sinalização ou leitura da letra. Eu amo ouvir músicas, e não consigo imaginar o meu mundo sem ouvi-las, você consegue? A partir daquele momento, comecei a prestar mais atenção a esse povo e a refletir sobre os desafios que enfrentam num mundo formatado para os denominados ouvintes. Esse tempo com Belinda mudou minha mentalidade em relação aos surdos e me ensinou o seguinte: ter informações sobre os surdos e conhecer quem são eles são dois estágios bem diferentes.
Diante disso, gostaria de compartilhar alguns fatos que considero importantes para respeitar, valorizar e interagir com pessoas surdas. Para começarmos, vamos esclarecer os seguintes pontos: 1) A Língua Brasileira de Sinais, Libras, é a segunda língua oficial do Brasil. Validada pelo governo federal através da Lei nº 10.436 de 24 de abril 2002, e regulamentada pelo Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005. 2) É errado usar a expressão “surdo-mudo” para designar a pessoa que não ouve. Ser surdo não significa ter problemas no aparelho fonador. Conhecendo um pouco mais sobre a surdez e os estudos sobre a Libras, é possível concluir que, embora a fala não seja o principal meio de comunicação do surdo, há muitos deles que são oralizados, ou seja, usam a voz para se comunicar com ouvintes. Usar a palavra “surdo” não é uma ofensa, é conferir-lhe a identidade de um povo. 3) A língua de sinais não é universal, cada país tem a sua ou mais de uma, como a Espanha que tem oito línguas de sinais distintas. A Libras é o idioma próprio dos surdos brasileiros, caracterizado por estrutura e gramática complexas. 4) Datilologia, ou alfabeto manual, não são sinais da Libras, embora as 26 configurações de mão, correspondam às letras escritas em português. Por isso, conhecer o alfabeto manual não é suficiente para se comunicar em Libras. Os surdos usam a datilologia somente para soletrar nomes ou objetos para os quais ainda não existe um sinal estabelecido.
Feito isso, uma segunda coisa que quero compartilhar com você diz respeito ao contexto histórico em relação ao povo surdo. Na Antiguidade, gregos e romanos consideravam os surdos ineducáveis e incompetentes, visto que, no conceito da época, o pensamento estava intimamente ligado à fala. Aristóteles defendia que a fala era o que concedia à pessoa a condição de ser humano, portanto sem fala o surdo era tratado como “não-humano”, que jamais poderia se desenvolver intelectualmente. Sem contar o fato de também serem rotulados de amaldiçoados em muitas culturas.
Ao longo dos séculos, por não desenvolverem a fala e serem considerados incapazes, os surdos viviam isolados e privados de qualquer tipo de educação, sendo forçados aos trabalhos mais indignos para um ser humano. E na história mais recente, alguns surdos são abandonados pelas famílias em instituições para deficientes, e, em caso de perturbação da ordem pública, recolhidos em sanatórios ou prisões.
Felizmente, com o passar do tempo surgiram educadores que se interessaram em derrubar as falsas crenças filosóficas, religiosas e médicas relacionadas à incapacidade dos surdos de pensar e existir. Contudo, apesar de todos os avanços quanto à educação do surdo, um dos aspectos marcantes durante um certo período na história desse povo foi a proibição do uso de língua de sinais, e o impacto dessa supressão deixou marcas que perduram até hoje.
No Brasil, como em qualquer outro lugar do mundo, o surdo se sente como um estrangeiro em seu próprio país. A visão de mundo do surdo é bem diferente da visão do ouvinte, mesmo pertencendo à mesma nacionalidade. Isso se dá, em parte, pelo fato de sua língua ser completamente diferente e também pela falta de acesso imediato a certas realidades e informações. Como o canal de recepção do surdo são os olhos, o que é sonoro se perde. De acordo com a professora Thaís Fleury Avelar, “o surdo se apropria do mundo à sua volta por meio de sua expressão espaço-visual, recebendo informação pelos olhos e as produzindo pelas mãos”.
Como o português é uma língua que o surdo nunca ouviu, é difícil para ele aprendê-la sem a mediação da Libras. Por isso, a importância da Libras para o desenvolvimento social e intelectual da pessoa surda, pois a identidade do surdo reside na interação com os seus pares em sua própria língua. Para eles, viver num mundo onde a voz e o som exercem um papel tão predominante na sociedade constitui-se um desafio diário.
Algo que tem contribuído muito para a acessibilidade do surdo na contemporaneidade é a tecnologia. O universo ampliou-se para os surdos com a internet e os dispositivos eletrônicos. Pois estes, além de proporcionarem entretenimento, informação e interação, têm sido utilizados como ferramenta pedagógica, possibilitando aos surdos ingressar no Ensino Superior através de cursos disponibilizados no formato EaD por instituições no Brasil.
Outro fator a ser destacado são as produções de conteúdos em Libras. Contudo, estas ainda não são suficientes. Algumas instituições têm produzido, nos últimos dez anos, literatura em Libras em vídeo, oportunizando, assim, acessibilidade dos surdos aos bens culturais nacionais e internacionais. Inclusive, Ministérios Pão Diário, tem produzido o devocional Pão Diário em Libras e o disponibilizado em seu site e aplicativo para acesso dos usuários de Libras. Temos um canal exclusivo para Libras no YouTube. Quer conhecer esse canal? Clique aqui.
Dentro disso, um dos empreendimentos mais ousados de tradução em língua de sinais é o da Bíblia. Em muitos países do mundo, inclusive no Brasil, há várias equipes de tradutores, incluindo linguistas e pesquisadores surdos, trabalhando nisso, para que tal tradução não se reduza à mera transposição de uma língua para outra. As melhores traduções da Bíblia em línguas de sinais seguem o mesmo padrão estabelecido para sua tradução em línguas orais.
Concluindo, minha esperança é que este conteúdo traga a você o mesmo despertar que experimentei em relação ao surdo e seu universo. Meu aprendizado me levou a considerar o surdo não como deficiente, mas como diferente, integrante de um povo em busca do reconhecimento de sua língua e cultura próprias, e a entender melhor suas conquistas alcançadas (e ainda não alcançadas) na contemporaneidade. Um povo que, como qualquer outro, precisa ser alcançado com as boas-novas do evangelho de Cristo em sua própria língua.
A surdez, para os surdos, não é deficiência, e sim outra forma de apreender o mundo!
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Lozane Winter
Ministérios Pão diário