Jonas: "melhor morrer que viver desse modo" — E pediu para si a morte
“Agora tira minha vida, Senhor! Para mim é melhor morrer que viver desse modo.” Jonas 4.3
A história de Jonas é bem conhecida: Deus o chama para ir pregar à cidade de Nínive, cidade famosa que, sendo capital do terrível Império Assírio, “representava o paradigma do mal”. Jonas, porém, decide fugir de sua tarefa, partindo em um navio para Társis, onde hoje é a Espanha, ou seja, vai para um destino completamente oposto ao que deveria. Deus, então, manda uma tempestade, a qual é vista pelos companheiros de barco de Jonas como a ira de algum deus sobre eles.
Após os marinheiros tirarem a sorte, Jonas lhes revela que aquela tempestade se deu pela ira de Deus contra ele, e lhes pede que o atirem ao mar. Após relutarem e Jonas insistir, eles o fazem. No mar, Jonas é engolido por um grande peixe, e, dentro deste, ora ao Senhor. Deus, então, ouve essa oração e ordena que o peixe vomite Jonas, e este, agora em terra, vai até Nínive, a fim de pregar àquela cidade. Sua pregação é de destruição — a cidade seria destruída em 40 dias! —, mas o povo de Nínive se arrepende de seus pecados, e Deus decide não destruir a cidade.
Ao invés de esta atitude do povo de Nínive e do próprio Deus levarem Jonas a se alegrar, tudo isso “deixou Jonas aborrecido e muito irado” (Jn 4.1). E é aqui que temos, no próprio texto, a explicação, por parte de Jonas, da razão de ele não ter desejado obedecer a Deus desde o início: “Antes de eu sair de casa, não foi isso que eu disse que tu farias, ó Senhor? Por esse motivo fugi para Társis! Sabia que és Deus misericordioso e compassivo, lento para se irar e cheio de amor. Estás pronto a voltar atrás e não trazer calamidade” (Jn 4.2). E, para completar, Jonas declara: “Agora tira minha vida, Senhor! Para mim é melhor morrer que viver desse modo” (Jn 4.3).
Sendo assim, Jonas não é alguém que pede a morte pelo seu sofrimento, mas em razão de sua ira contra a cidade de Nínive. Afinal, mesmo que algumas pessoas suponham que ele, neste momento, estaria sofrendo as consequências de o suco gástrico do peixe ter corroído sua pele (fazendo com que muitos afirmem que ele teria ficado careca, etc.), não é qualquer dor que lhe faz desejar a morte, mas o ódio: ele não somente tentou fugir de sua tarefa por ódio a Nínive, mas também se irou após realizá-la, porque “no fundo de seu coração, torcia para que Deus, literalmente”, mandasse os habitantes de Nínive “para o inferno”.
As palavras de Jonas a respeito de Deus, afirmando que Ele é “lento para se irar”, são respondidas por uma pergunta de Deus a ele: “Você acha certo ficar tão irado assim?”. Assim, “ironicamente, depois de condenar Deus por não se irar, Jonas é questionado a respeito de sua própria ira”. É como se Jonas estivesse cobrando que Deus ocupasse seu devido lugar como juiz, dizendo ao Senhor o que Ele realmente deveria fazer, apesar de reconhecer que já sabia que Deus é misericordioso.
A insistência de Jonas, porém, não se dá somente por palavras, mas também por ações: na esperança de ver a cidade de Nínive destruída, e seu ódio saciado, Jonas foi “até um lugar a leste de Nínive e construiu um abrigo para sentar-se à sua sombra enquanto esperava para ver o que aconteceria à cidade” (Jn 4.5). Talvez Jonas pensasse que Deus, por amor a ele, ainda poderia voltar atrás, decidindo novamente pela destruição da cidade de Nínive. Ou talvez tivesse a esperança que os moradores da cidade voltassem a pecar, e Deus os castigasse.
É difícil dizermos o que se passava na cabeça de Jonas. Porém, o fato de ele se assentar próximo a Nínive “enquanto esperava para ver o que aconteceria à cidade” mostra que ele queria que algo acontecesse. Talvez Jonas até mesmo estivesse fazendo uma barganha com Deus: ele não sairia dali até ver a ira de Deus descer contra aquela cidade! E, pelas suas palavras, se percebe que Jonas preferia morrer a ver a cidade de Nínive se livrar da condenação. Jonas desejou tanto a morte dos ninivitas que seu desejo o consumiu, a ponto de ele desejar — se necessário — sua própria morte.
Jonas, porém, não é o único a ter o desejo da própria morte como fruto do desejo da morte alheia. Afinal, hoje, muitos têm entrado em depressão e têm necessitado de apoio terapêutico em função de seu ódio. Trata-se de casos de uma ira internalizada que se consolida e se transforma em um ódio profundo contra alguém ou, tal como Jonas, contra um grupo de pessoas.
Essa situação pode se dar, inclusive, no meio cristão: pode-se ver esta situação no fato de certas pessoas, que se dizem “cristãs”, odiarem tão profundamente determinado grupo de pessoas, taxando-as como “pecadoras”, que passam a desejar não a conversão e redenção delas, mas a sua destruição. Ou seja, muitas pessoas, ainda hoje, fazem como Jonas, desejando profundamente a morte daqueles que tomam como “ninivitas”. Pois, tal como Jonas, o qual “pelos seus padrões pessoais” achava que os ninivitas não mereciam salvação, muitos, por sua opinião, decidem que certas pessoas não merecem a salvação, como se alguém, de fato, merecesse!
Tal como Jonas, quem se deixa dominar pela raiva e pelo ódio não nota que estes, que provocam o desejo da morte do outro, corroem a nossa alma e fazem com que venhamos, inclusive, a perder o sentido da nossa própria vida. E, assim, é fácil esquecermos que a misericórdia de Deus nas nossas vidas deve frutificar em nós, gerando compaixão e amor ao próximo. É fácil esquecermos que é pela misericórdia de Deus que não somos consumidos: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã” (Lm 3.22, ARA). Assim, muitas vezes queremos ver a “justiça” de Deus sobre os outros, quando esquecemos que Deus deixou de aplicar o justo castigo que nós merecemos.
Assim, tal como Jonas e a barriga do peixe, a impressão que temos é que o isolamento social da pandemia endureceu ainda mais os corações das pessoas. Tal como ele, deixamos de lado a oportunidade de aprendermos com a experiência do isolamento, prendendo-nos a sentimentos ruins que, durante este tempo, ao invés de serem tratados, foram apenas intensificados.