A especialista Caroline Vargas fala sobre o tema em entrevista ao Pão Diário Kids

No mês de maio, o Pão Diário Kids deu visibilidade à campanha do Maio Laranja, uma iniciativa que alerta sobre o abuso e a exploração sexual de crianças. Entre as ações que foram realizadas, está uma entrevista com a psicóloga Caroline Vargas, do projeto Eu Protejo. Ela fala sobre o papel da igreja e as estratégias possíveis de serem tomadas pelos Ministérios Infantis para contribuir com o combate à violência sexual infantil.
Caroline é técnica na escuta qualificada e na perícia de investigação a respeito do abuso sexual com laudos psicológicos. Também é escritora e palestrante, tem 10 anos dedicados a Ministério Infantil e possui um canal no youtube sobre o tema chamado Carolita Protege.
Confira abaixo a entrevista completa.
PÃO DIÁRIO KIDS – O Brasil registrou 202,9 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes de 2015 a 2021, diz boletim com dados compilados pelo Ministério da Saúde. Você percebe que a igreja de hoje tem se despertado para esse tema ou ainda há muito o que evoluir na preocupação com esse cenário?
CAROLINE – Quando olhamos para dados e estatísticas, vemos uma grande verdade. Não são números, são vidas, são crianças que deveriam ser amadas e protegidas ou na visão bíblica: encher as praças. Brincar e correr nas ruas como as profecias de Zacarias nos apontam. Mas, em contrapartida, essas crianças foram violadas, tiveram seu direito roubado e a sua dignidade deturpada por muitas pessoas que deveriam acolher e proteger, não machucar e abusar. Isso é realmente algo que nos choca por não ser apenas um número, mas muitas histórias.
Segundo ponto quando falamos de estatísticas é que esses dados são baseados em crianças que reconhecem o que é um abuso e o que não é. São crianças que, além de reconhecerem, souberam relatar, ou seja, tiveram a capacidade de pedir ajuda a pessoas de confiança que acreditaram nesse testemunho e, assim, fizeram a notificação para o órgão competente como o Conselho Tutelar. A grande maioria se perde em um desses processos, então o que temos, apesar dos números serem alarmantes, é uma pequena parcela da realidade.
Então quando falamos que o abuso sexual ou a violência contra a criança em todas as suas esferas é uma epidemia no Brasil e no mundo, é sobre isso que estamos falando: a grande maioria das crianças não sabe que isso é uma violência, não sabe como pedir ajuda e não há pessoas que validem o que elas estão falando e que possam buscar justiça.
Quando perguntado sobre o despertar da igreja e se há muito o que evoluir, a resposta é: ainda temos muito o que evoluir, mas já temos um avanço considerável por falar sobre sexualidade nos púlpitos.
PÃO DIÁRIO KIDS – É comum nos depararmos com a visão de que no contexto da igreja casos como esses não acontecem, isso é uma realidade? O ambiente da igreja pode ser também um local suscetível ao abuso sexual infantil?
CAROLINE – Quando partimos do conceito de depravação total entendemos que não há um homem bom, o próprio salmista diz que foi formado em iniquidade, ou seja, todo mundo tem potencial para pecar, abusar e ferir o outro. Não importa se a pessoa está na igreja ou não, temos essa natureza caída e temos que lutar diariamente para nos santificar e afastar dessa natureza, dito isso, eu entendo que fica claro que isso é uma realidade dentro das igrejas.
Achar que abuso não acontece é muito comum, é por isso que a igreja acaba sendo um ambiente acessível para que pessoas estranhas tenham contato com crianças.
A igreja precisa ser instrumentalizada, equipada e treinada através de uma política de proteção trabalhada com os voluntários para terem esse cuidado com as crianças e as mesmas estarem protegidas dentro do rebanho.
PÃO DIÁRIO KIDS – Na sua visão, qual o papel da igreja, em especial dos ministérios infantis, na diminuição de dados como esse?
CAROLINE – Acredito que o ministério infantil pode atuar em frentes muito importantes para a proteção das crianças. É um setor que pode encorajar e capacitar os pais, por exemplo, pois muitos não ensinam seus filhos sobre proteção porque não foram ensinados.
Quando esses pais encontram na igreja um espaço onde são treinados a falar com seus filhos de forma adequada e apropriada à cada faixa etária, a igreja vence em um ponto muito significativo, ensinando os pais a protegerem seus filhos fisicamente contra a violência sexual infantil.
A igreja pode promover através do ministério infantil, treinamentos para equipar pastores, líderes e obreiros a como identificar e reagir, fazendo uma política de proteção e passos práticos para saber como proceder caso alguma suspeita seja levantada no meio da congregação.
Acredito também que a igreja com o ministério infantil e professores treinados, podem trabalhar com crianças de uma forma sutil que possa ensinar que o corpo deles é templo do Espírito Santo, casa de Deus. Por isso devem ser guardados, protegidos e cuidados. Em uma linguagem apropriada leve e dinâmica conseguiremos fazer esse trabalho com a liderança, família e com as próprias crianças
PÃO DIÁRIO KIDS – Seria possível citar algumas estratégias possíveis de serem tomadas pelos Ministérios Infantis para contribuir com o combate ao abuso e à violência sexual infantil?
CAROLINE – Acredito na política de proteção, um documento que a igreja desenvolve para implementar ações que instruam todos aqueles que começam a trabalhar com crianças, para que aprendam o que é abuso, a violência e que dentro das igrejas não gritamos ou ameaçamos e muito menos usamos da força física.
Damos esse treinamento através da política de proteção, falamos para um professor que não é recomendado fazer higienização das crianças, o correto é chamar a família. Assim vamos instruindo o porquê desses cuidados dentro da política de proteção, isso também com treinamentos e capacitações como já foi citado.
Damos a possibilidade de verificação de antecedentes criminais também. Nos Estados Unidos, em muitas igrejas, já é comum. Infelizmente, dentro da realidade do Brasil ainda não. Por isso, é muito importante que a liderança juntamente com a igreja e responsáveis, cheguem em um consenso do que é apropriado, mas realizar a verificação de antecedentes ou pedir para que os voluntários possam solicitar a polícia a ficha de bons antecedentes criminais.
A recomendação adequada é garantir que as atividades do ministério infantil tenham sempre supervisão, ou seja, adultos. Incentivar homens a não colocar meninas e meninos em seu colo sentados. Voluntários do sexo masculino evitarem ou de trocar ou manusear as partes intimas das crianças, por menores que sejam. Sobretudo ter uma comunicação aberta e canais de comunicação para que crianças ou pais possam relatar qualquer preocupação ou suspeita.
Chamar e convidar autoridades locais por exemplo, trabalhar em colaboração com autoridades com o serviço de proteção. Delegados, conselheiros tutelares, psicólogas e até enfermeiras para lidar com os primeiros socorros, então é importante que a igreja tenha esses pontos para cuidar da família e, consequentemente, olhar as crianças.
Apoio as vítimas também é uma área muito importante para a igreja, depois de identificar e notificar, é preciso disponibilizar recursos de apoio as vítimas, aconselhamento, assistência jurídica. Existem muitos voluntários e profissionais que podem fazer parte dessa orientação sendo diretos para ajudar as vítimas quando estão em sofrimento.
Acredito que dessa forma a igreja faz tanto a transformação espiritual como também o cuidado físico de seus membros.
Quer saber mais?
Acesse o podcast “Sexualidade Infantil – O papel das famílias e da igreja”, com a pedagoga e ministra Laudiceia Mendes.