A vida espiritual em uma cultura secular: uma vida de devoção
“Qual a sua verdadeira necessidade?”, o comercial de TV pergunta enquanto você vem nadando das profundezas do oceano à superfície. Do que você mais precisa? De repelentes de tubarão? De nadadeiras de peixe? De força muscular? De respostas? Oxigênio é o que você mais precisa. É o único de todos esses itens, sem o qual você não consegue sobreviver.
Sem o que você é incapaz de viver? Daniel enfrentará essa crítica questão logo em seguida.
O ano é aproximadamente 538 a.C., e Daniel, tendo passado quase toda a sua vida no cativeiro, agora idoso, serve sob seu terceiro governante, Dario — o Medo.
Na abertura do capítulo 6, Dario estabeleceu seu governo na Babilônia. Daniel foi constituído um dos três governantes do rei sobre todo o reino (vv.1,2). Como resultado da fragilidade de um reino dividido (Ciro da Pérsia; Dario da Média), e duplas burocracias, tudo nesse novo reino era complexo.
Quando Dario decidiu elevar Daniel e colocá-lo responsável por todo o reino (v.3), Daniel encontrou-se novamente sob observação.
O problema da inveja (Dn 6.4-9)
“Daniel devia ter mais de 80 anos nesta época; estes homens tiveram muitos anos para observá-lo. Mesmo assim, não havia nada de que eles, honestamente, pudessem acusá-lo. Então, recorreram a um estratagema […]. Dario ficou preso por seu próprio plano malévolo. Ele não queria condenar Daniel, mas caiu facilmente nesta trapaça.”
—James Montgomery Boice
Daniel: An Expositional Commentary (Daniel: Um comentário expositivo, tradução livre).
Os oficiais de categoria inferior desprezavam o fato de Daniel ter autoridade sobre eles — e queriam que ele fosse afastado. O orgulho é competitivo, e a inveja é o resultado do orgulho ferido. C. S. Lewis escreveu:
“O orgulho é essencialmente competitivo. […]. O orgulho não tem prazer em possuir algo, mas em ter mais do que o próximo. Dizemos que as pessoas têm orgulho sendo ricas, inteligentes ou bonitas, mas não é verdade. Elas têm orgulho por serem mais ricas, mais inteligentes ou mais bonitas do que as outras” (Cristianismo puro e simples, Ed. Martins Fontes, 2005).
Esses homens orgulhosos sentiam-se feridos pela ascensão de um homem íntegro — e queriam destruí-lo por isso.
Como atacariam? Procuraram motivos para acusá-lo, mas não puderam encontrar deslize algum nele. Por quê? Porque “ele era leal” (v.4). Isso é um testemunho e tanto — especialmente vindo de seus inimigos. Apesar de viver em um ambiente que era uma fossa moral, Daniel havia permanecido puro.
Atacar alguém de caráter impecável é um problema, Daniel então foi atacado em seu único ponto fraco, na percepção deles — sua devoção a Deus. Que testemunho! A única maneira de atacar Daniel era atacando seu relacionamento com Deus.
Os oficiais conspiraram entre si e uniram-se em uma petição a Dario (vv.6,7), usando o engano para jogar com o orgulho do próprio rei. Pediram-lhe para criar uma lei que tornaria ilegal fazer orações durante os 30 dias seguintes a qualquer deus ou homem — com exceção do próprio Dario. E, visto que Dario estava em situação inferiorizada a Ciro, o Persa, esse decreto o elevava à posição de um deus e realçava o seu senso de poder que fora restringido por Ciro.
A penalidade pela violação desse decreto era ser lançado “na cova dos leões” (v.7). A inveja dos oficiais não conhecia limites. Eles queriam Daniel morto.
Dario ratificou o decreto deles (v.9), e, sendo “uma lei oficial dos medos e dos persas”, não poderia ser revogado. O que explica por que o decreto era limitado a 30 dias. Depois que Daniel estivesse morto, eles poderiam voltar à sua vida normal.
Dario aparentemente era um bom homem, mas, como todos nós, tinha suas fraquezas. No calor do momento, com seu ego afagado, tomou uma decisão imprudente e aprovou a lei desses homens que bania a oração.
O testemunho (Dn 6.10,11)
Daniel era tão devotado a Deus que obedecer-lhe era mais importante do que obedecer às leis injustas. Esse fato ilustra o princípio bíblico de desobediência obediente, de acordo com o qual devemos escolher entre obedecer à Palavra de Deus ou ao homem. Vemos esse princípio praticado pelos apóstolos, no Novo Testamento quando foram proibidos de pregar. Eles disseram: “Devemos obedecer a Deus antes de qualquer autoridade humana” (At 5.29).
Daniel desobedeceu essa lei injusta, orando. Esse é o segredo de uma vida pura em meio a um ambiente impuro. Ele continuou com suas tarefas costumeiras, não interessado em mudar, nem mesmo em parecer que mudava para satisfazer a multidão.
Daniel quebrou a lei porque esta violava a Lei de Deus — e foi apanhado. O medo de ser preso, porém, não o deteve. O profeta estava disposto a aceitar as consequências de sua obediência a Deus. Uma lição difícil, mas vital.
Tenha duas coisas em mente:
• Devemos estar dispostas a aceitar as consequências por praticarmos o que é correto. O apóstolo Pedro escreveu: “Mas, ainda que sofram por fazer o que é certo, vocês serão abençoados” (1Pe 3.14).
• Deus permanece no controle, mesmo quando a vida nos leva injustamente à cova dos leões. Daniel foi apanhado orando a Deus e sofreria em nome da justiça, mas estava preparado para glorificar ao Senhor.
A paz de Deus (Dn 6.12-17)
Aqueles homens eram muito ardilosos. Primeiro lembraram Dario de seu decreto irrevogável para depois lançarem seu ataque com uma acusação que era um misto de verdade e calúnia. Daniel não havia desconsiderado o rei, mas recusara-se a desconsiderar o seu Deus (vv.12-15).
A resposta de Dario mostra que ele finalmente entendeu o que estava acontecendo, pois “ficou muito angustiado”. Ele havia falhado em seu julgamento e estava entristecido. Parece que não era com Daniel ou com o comportamento dele que estava entristecido, mas com o seu próprio orgulho.
Dario procurou libertar Daniel porque não queria que ele sofresse as consequências do tolo decreto (v.14). Procurou por uma brecha na lei, mas não a encontrou. Ele entendeu o impacto de suas ações e viu que era tarde demais. Na realidade, Dario foi pego na armadilha de sua própria lei (v.15). Não havia escape algum — Daniel teria que ser executado (vv.16,17).
Considerado culpado de servir a Deus continuamente (v.16), Daniel foi lançado na cova dos leões. Esses leões estavam ali com o propósito de torturar os prisioneiros. Eles normalmente estavam famintos e eram maltratados e provocados para rasgar um homem em pedaços.
Em desespero, Dario tentou oferecer algum consolo a Daniel na hora de sua execução (v.16). A cova foi então fechada com uma pedra e selada (v.17).
Você já se perguntou o que teria acontecido dentro da cova assim que a pedra foi selada? Um estudioso da Bíblia sugere que Daniel escorregou para o chão da caverna e foi abordado por leões que nada fizeram senão deitar-se ao redor dele para proporcionar-lhe calor e conforto na noite fria que estava pela frente!
A proteção de Deus (Dn 6.18-23)
Enquanto Daniel dormia tranquilamente com os leões, Dario passou uma noite muito diferente, o que demonstra a diferença entre a consciência limpa de Daniel e o coração cheio de culpa de Dario (v.18).
Preocupação, culpa, falta de sono, falta de apetite — eram os efeitos do fracasso de Dario em discernir a conspiração perversa de seus oficiais. Pela manhã, o rei se levantou e foi à cova dos leões.
Após uma noite sem dormir, Dario foi ver o que havia acontecido. Ele foi quase ridículo gritando para dentro da cova onde não era possível haver qualquer pessoa viva. Até mesmo nas palavras de Dario podemos ver o profundo impacto da vida de Daniel sobre ele: “Daniel, servo do Deus vivo! O Deus a quem você serve tão fielmente pôde livrá-lo dos leões?”. É admirável que Dario tenha considerado a possibilidade de Deus haver protegido Daniel dos leões. Então, lá da escuridão, veio a resposta calma e confiante de Daniel, dizendo que Deus, de fato, o havia protegido.
Daniel não fora ferido, “pois havia confiado em seu Deus” (v.23). Hebreus 11.33 afirma que a fé do profeta Daniel fechou a boca dos leões. Naturalmente, como Hebreus 11.35-40 indica, não é sempre que Deus livra os Seus filhos. Na Igreja Primitiva foram incontáveis os mártires dados como alimento aos leões e conduzidos à eternidade. Entretanto, quer Deus conceda livramento ou não numa situação específica, Sua habilidade de livrar jamais diminui. Ele é sempre poderoso.