A preparação de um pioneiro Parte 2 — Paulo, uma visão de liderança dinâmica
PARTE 2
Família e treinamento
A hereditariedade é parte importante em qualquer vida. Deus em Sua suprema sabedoria começa a preparar um líder antes de seu nascimento. Jeremias reconheceu essa atividade soberana de Deus quando registrou a palavra do Senhor para ele: “Eu o conheci antes de formá-lo no ventre de sua mãe; antes de você nascer, eu o separei e o nomeei para ser meu profeta às nações” (Jeremias 1:5). Ele foi predestinado para liderança, mas descobriria que sua preparação envolveria um longo e, às vezes, doloroso período de treinamento. Paulo também estava ciente que era o objeto de uma escolha estabelecida e favorecida, embora o caminho a seguir se desdobrasse lentamente perante ele.
O que para ti é escuridão, para Ele é dia,
Ele conhece o final;
E não é de forma incerta ou vazia
Que o espírito deixa o mortal.
Como as urdiduras em um tear,
Os destinos são velozmente tecidos;
Em harmonia, completamente unidos
Como as teclas de um órgão a tocar.
—J. G. Whittier
Foi provavelmente por volta do ano 33 d.C. que Paulo foi designado para guardar as roupas dos homens que apedrejaram Estevão. Naquela época ele era descrito como “um jovem” (Atos 7:58), um termo que poderia representar uma faixa etária dos 20 aos 30 anos. Se, como parece ser provável, ele era um membro do respeitado Sinédrio, deveria então ter mais do que 30 anos, a idade exigida para o corpo judicial. Isso significaria que nasceu em torno da mesma época de Jesus. No sermão atribuído a João Crisóstomo, infere-se que ele nasceu no ano 2 a.C. Supondo que ele morreu em torno de 66 d.C., teria aproximadamente 68 anos ao ser executado.
Quanto à hereditariedade, Paulo veio de uma família com certa afluência, pois eles atendiam os requisitos de propriedades exigidos dos cidadãos de Tarso. Seus pais, que eram da tribo de Benjamim, deram-lhe este nome em homenagem ao ilustre ancestral da tribo, o rei Saul. Como seu pai era cidadão romano, eles colocaram-lhe este nome em sua forma latina, Paulus. Essa cidadania romana colocou-o entre a aristocracia de Tarso.
Como seu pai era um fariseu rigoroso, sem dúvida criou-o cumprindo meticulosamente todos os requisitos cerimoniais da lei judaica. O próprio Paulo disse que foi cuidadosamente treinado nas melhores tradições dos fariseus. Mas, tragicamente, esse Sinédrio, que em tempos passados era considerado puritano, transformara-se em legalista e hipócrita nos dias de Paulo.
Paulo obviamente orgulhava-se de sua linhagem e de suas capacidades, pois escreveu aos crentes de Filipos: “…se outros pensam ter motivos para confiar nos próprios esforços, eu teria ainda mais! Fui circuncidado com oito dias de vida. Sou israelita de nascimento, da tribo de Benjamim, um verdadeiro hebreu. Era membro dos fariseus, extremamente obediente à lei judaica. Era tão zeloso que persegui a igreja. E, quanto à justiça, cumpria a lei com todo rigor” (Filipenses 3:4-6). “Fui criado aqui em Jerusalém e educado por Gamaliel. Como aluno dele, fui instruído rigorosamente em nossas leis e nos costumes judaicos” (Atos 22:3). Dessa forma, todos os seus anos de formação foram calculados a fim de prepará-lo para ser um eminente fariseu e rabi, como seu grande mentor Gamaliel.
A família de Paulo falava grego, e ele também se comunicava em aramaico (Atos 22:2). Desde tenra idade ele conhecia a Septuaginta — a tradução mais antiga do Antigo Testamento para o grego — e dela memorizou grandes porções.
Sua educação inicial foi em casa ou numa escola ligada à sinagoga, pois seus zelosos pais provavelmente não o confiariam a professores que não fossem hebreus.
Como todos os outros garotos de boas famílias, Paulo aprendeu uma profissão. Como São Francisco Xavier que era um trabalhador e expressou o desejo de que todos os irmãos cristãos o fossem. Gamaliel defendia que qualquer tipo de aprendizado desacompanhado de uma profissão acabaria em nada a não ser pecado.
O ofício de Paulo, como fazedor de tendas, foi um precioso recurso nos anos posteriores. Em sua cidade natal, Tarso, havia muitos bodes e cabras monteses cujos pelos longos eram transformados em fios para tecer roupas resistentes ou em tendas feitas de um material conhecido como tecido cilício. Para Paulo essa profissão foi valiosa, pois podia ser exercida em qualquer lugar e não exigia equipamentos caros.
Paulo tinha orgulho de sua cidade de origem, Tarso, a qual descreveu como “cidade importante” (Atos 21:39). Esta era uma das três grandes cidades universitárias do Império Romano — as outras eram Atenas e Alexandria — sendo elas conhecidas por superar suas rivais em eminência intelectual. Sua atmosfera intelectual sem dúvida influenciara a mente ávida do jovem.
Quando tinha aproximadamente 15 anos, Paulo viajou para Jerusalém, onde deve ter morado com a sua irmã (Atos 23:16). É interessante observar que tudo indica que alguns de seus parentes abraçaram o cristianismo antes dele (Romanos 16:7). Em Jerusalém ele maravilhou-se ao ver e ouvir o que acontecia no culto daquele Templo, assistiu com reverência aos sacerdotes cultuando e à fumaça que subia do altar sacrificial.
Uma das muitas claras evidências da providência divina moldando a vida de Paulo foi o fato de, provavelmente por influência de sua família, ele ter sido privilegiado em sentar-se aos pés de Gamaliel, apelidado “a beleza da Lei”. Esse distinto e insigne rabino era um dos sete judeus doutores da Lei a quem foi conferido o honroso título de “Raban”, que quer dizer mestre. Ele era da escola de Hillel, que adotava uma visão mais ampla e liberal do que a escola de Shammai.
Assim sendo, Paulo foi exposto a um ensino de âmbito mais amplo. Diferentemente de Shammai, Gamaliel interessava-se por literatura grega e encorajava os judeus a cultivar amizades e relacionamentos sociais com estrangeiros. Dele, o jovem Saulo aprendeu a sinceridade e a honestidade de julgamento e a disposição para estudar e usar as obras de autores não hebreus.
Foi o mesmo Gamaliel que aconselhou moderação quando a multidão queria matar Pedro e os outros apóstolos. “Um deles, porém, um fariseu chamado Gamaliel, especialista na lei e respeitado por todo o povo, levantou-se […] e disse aos demais: […] ‘deixem esses homens em paz e os soltem. Se o que planejam e fazem é meramente humano, logo serão frustrados. Mas, se é de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los. Pode até acontecer de vocês acabarem lutando contra Deus’” (Atos 5:34-39).
Depois de seu treinamento com Gamaliel, Paulo retornou para casa como um fariseu qualificado e reconhecido e ali permaneceu até ter idade suficiente para iniciar-se nos afazeres de sua vida.
A propósito, deve-se observar que Gamaliel não aplicou nenhuma sanção contra as perseguições, portanto é difícil dizer a quem atribuir a fúria desenfreada de seu pupilo, a menos que fosse a expressão exterior de uma terrível batalha que se travava em seu interior. “Ele estava em guerra tanto consigo mesmo como com os cristãos.”2
Academicamente, Paulo fez um progresso espetacular. Ele superou seus colegas de estudo tanto em realização acadêmica como em zelo. Ele era “zeloso de honrar a Deus” (Atos 22:3) e “extremamente zeloso pelas tradições de [seus] antepassados” (Gálatas 1:14). Não é difícil imaginar a fúria das autoridades judaicas pela perda de sua promissora liderança.
Como já mencionado, é muito provável que Paulo, em algum momento, tivesse sido membro do Sinédrio, a suprema corte civil e legal judaica. Para ser elegível a essa honra, ele provavelmente teria mais de 30 anos na época da morte de Estevão. O próprio Paulo disse que ele era um dos juízes que votou a favor da morte dos cristãos. “Com autorização dos principais sacerdotes, fui responsável pela prisão de muitos dentre o povo santo. E eu votava contra eles quando eram condenados à morte” (Atos 26:10).
Naqueles dias, era costume casar com pouca idade, e para alguém ocupar um assento no Sinédrio teria que ser homem casado. A razão por trás dessa cláusula era para que os membros tivessem mais a tendência a se inclinarem à misericórdia, e um marido e pai estaria mais propenso a ter essa qualidade do que um homem solteiro. Assim sendo, o peso da evidência parece favorecer a ideia de Paulo ter sido casado, mas as Escrituras silenciam sobre o assunto. Há uma crença de que ele era viúvo. Contudo, pode ser que depois de sua conversão ao cristianismo ele tivesse sido rejeitado e repudiado pela sua família.