Mais que um devocional.

Quinze de março de 2017. Era uma quarta-feira à noite e eu decidi voltar do Colégio antes, para chegar a tempo para o jantar com meus pais em casa. Mamãe não estava se sentindo bem nas últimas semanas, então eu fazia questão de ir direto para casa depois da escola todos os dias. Mas quando abri a porta da frente, estava escuro como breu e a casa estava vazia.

Mamãe tinha sido levada ao Hospital por causa de febre alta e falta de ar. Os médicos não conseguiram descobrir o que estava causando isso, e fizeram vários exames. Tínhamos nossas próprias suspeitas sobre o que poderia ser, mas não queríamos tirar conclusões precipitadas e nos preocupar ainda mais. Tudo o que podíamos fazer era esperar e orar para que Deus desse sabedoria aos médicos.

Dezesseis de março. Um dia depois que mamãe foi hospitalizada, eu estava indo almoçar com um amigo quando recebi um telefonema desesperado de minha irmã – meu cunhado havia se cortado acidentalmente e estava sangrando tanto que não conseguiu chegar ao Pronto Atendimento sozinho. Meu amigo e eu tivemos que correr e ser sua ambulância!

Vinte e dois de março. Após 8 dias de internamento para mamãe, os médicos finalmente concluíram: Câncer. Estágio 4. Incurável.

“Após 8 dias de internamento para mamãe, os médicos finalmente concluíram: Câncer. Estágio 4. Incurável. ”

O diagnóstico era difícil de encarar, mas estávamos determinados a não deixar que ele nos derrotasse. “Nós vamos superar isso”, minha irmã me mandou uma mensagem. “Mamãe vai passar por quimioterapia. Vamos passar por isso com ela.” Já tínhamos passado por isso antes e sabíamos que Deus é o mesmo Deus que curou mamãe 17 anos atrás.

Vinte e três de março. No dia seguinte à alta, mamãe queixou-se de dores nos ossos. Foi a única vez que a ouvi expressar algum desconforto e a primeira vez que pude ver que seu sofrimento era físico. Naquela noite, chorei pelo seu diagnóstico, o que me fez perceber que só consegui permanecer forte por causa da força que ela havia demonstrado.

Vinte e sete de março. “NOSSA FAMÍLIA ESTÁ SOB ATAQUE”, mandei uma mensagem para minha irmã. “Papai indo para o Pronto Atendimento”.

Papai teve febre alta e estava fraco demais para ficar em pé, e um amigo de seu grupo de célula veio para ajudar a trazê-lo ao hospital.

Eu senti como se minha vida tivesse se transformado num filme. Por que Deus estava permitindo que essas coisas acontecessem de uma vez? O que Ele estava tentando nos ensinar? O que Ele queria me ensinar?

Papai foi internado e, no dia seguinte, quando meu cunhado e eu trouxemos mamãe ao hospital para uma consulta, o levamos de cadeiras de rodas para a Unidade de Câncer para que os dois pudessem ficar juntos.

“Por que Deus estava permitindo que essas coisas acontecessem de uma vez? O que Ele estava tentando nos ensinar? O que Ele queria me ensinar?”

Deus está conosco

Não tenho palavras para expressar o que senti ao ver meus pais em cadeiras de rodas, mas posso dizer que: Deus estava presente e nossa família foi grandemente abençoada.

Onde Deus estava ?

Este foi um registro das duas semanas mais turbulentas de que me lembro de ter vivido.

A cada momento, parecia que Deus estava perguntando: “Você confia em mim?” Cada vez que eu dizia sim, Ele permitia que algo mais acontecesse. “Agora, você ainda confia em mim?” Tinha se tornado mais difícil, mas sim, ainda confio nele.

Aprendi a procurar as “impressões digitais” de Deus, a vê-lo agindo em meio ao nosso sofrimento, Sua fidelidade no dia a dia. 

Foi em Seu tempo divino que mamãe foi levada ao hospital. Foi por Sua misericórdia que ela mudou para uma ala melhor (devido à falta de leitos) e teve seu próprio quarto, o que lhe permitiu ter mais privacidade e receber visitantes sem se preocupar com o horário de visitas. 

Experimentando a força da comunidade

A comunidade da nossa igreja foi um pilar significativo de força. Durante dois meses, as pessoas vinham todos os dias para se certificar de que recebíamos nossas refeições. Sabendo que papai e eu tínhamos que ir para o trabalho e a escola, as pessoas se ofereceram para passar um tempo com mamãe para que ela não ficasse sozinha, mesmo que isso significasse que ela estaria cochilando e seus acompanhantes apenas ficariam sentados. A resposta foi tão grande que minha irmã e eu tivemos que configurar um sistema online para que amigos reservassem lugar! As pessoas não vinham apenas com comida; elas cantaram, oraram e falaram da bondade de Deus em nossas vidas.

Claro, esse novo estilo de vida demorou para se acostumar. Recebemos tanta comida que a certa altura tínhamos quatro variedades de uvas em nossa geladeira! (Você sabia que existia algo como Moon Grapes?) Também me lembro de ter que lavar muitas xícaras sempre que parava de estudar, já que recebíamos muitos convidados.

Uma das coisas mais difíceis que tivemos de aprender foi como responder às muitas mensagens enviadas pelo celular sobre refeições ou coisas para fazer que a Internet disse que ajudariam a curar o câncer. Embora fossem compartilhados com as melhores intenções, queríamos ter certeza de que estávamos apenas seguindo os conselhos dos médicos.

Com o tempo, aprendemos a nos adaptar à nova rotina. Nossa família mandava mensagens para a comunidade sobre os alimentos que a mamãe não tinha permissão para comer (por exemplo, uvas), e os amigos falavam conosco antes de comprar ou cozinhar qualquer alimento. Eles até juntaram recursos para nos comprar uma segunda geladeira (para guardar toda a comida!) E contrataram uma empregada doméstica para cuidar das tarefas do lar. Deus também me abençoou com professores compreensivos e colegas de grupo na escola, que me permitiram assistir às reuniões remotamente para que eu pudesse ficar em casa com minha mãe.

O amor e a compaixão demonstrados a minha família realmente ajudaram a aliviar nosso fardo. Era e ainda é uma situação complicada de lidar, mas reconhecemos que Deus é nosso refúgio e nossa força, sempre pronto a nos socorrer em tempos de aflição (Salmo 46:1).

Ele nos enviou uma comunidade para nos fornecer apoio prático e espiritual. Estávamos física e mentalmente exaustos, mas espiritualmente avançávamos, cheios de alegria – pois as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã.

O sofrimento e a alegria andam de mãos dadas

Um dos motivos pelos quais nunca me senti tentada a me afastar de Deus durante essa jornada foi ver a maneira como mamãe reagiu. Ela nos educou para amar ao Senhor e aos outros, e a maneira como viveu com seu diagnóstico nos mostrou exatamente isso.

Todas as manhãs, eu a via sentada na sala de estar, lendo a Bíblia e passando tempo com Deus. Os amigos que vinham me visitar sempre iam embora se sentindo encorajados por ela – certa vez, entrei na enfermaria e a encontrei em sua cama de hospital dando um sermão! Em vez de ficar com raiva, preocupada e se esconder do mundo, ela queria compartilhar a Palavra – que o sofrimento e a alegria podiam andar de mãos dadas.

Houve momentos de tristeza e dúvida, mas percebo que, se decidir virar as costas para Deus, como poderei ver Suas bênçãos em minha vida? Por mais difícil que seja ver mamãe travar essa batalha (por exemplo, tomar pílulas constantemente e ser picada por agulhas) e passar por isso com ela (a pandemia restringiu muito nosso tempo fora de casa), sei que essa luta é apenas uma momento fugaz à luz da eternidade que temos com Deus.

“Em vez de ficar com raiva, preocupada e se esconder do mundo, ela queria compartilhar a Palavra – que o sofrimento e a alegria podiam andar de mãos dadas.”

Em nossa família, muitas vezes lembramos uns aos outros que se você realmente crê no evangelho, não há necessidade de temer a morte. Certamente, aqueles de nós deixados para trás sofreriam, mas ao mesmo tempo encontraríamos uma maneira de nos alegrar, sabendo que a pessoa que perdemos estaria no Céu, dançando aos pés de Jesus.

Olhando para o futuro

Mamãe tinha uma expectativa de vida de dois anos em março de 2017, e uma das minhas maiores preocupações era se ela chegaria ou não à minha formatura em julho de 2019: ela conseguiu! Além disso, quando tivemos um jantar de comemoração para mamãe ultrapassando a marca de dois anos, minha irmã anunciou que estava grávida e mamãe seria avó!

Está fazendo quatro anos desde seu diagnóstico inicial. Embora mamãe recentemente tenha retornado à quimioterapia, somos muito gratos pela vida que Deus deu a ela e continuaremos agradecidos por cada dia que passaremos juntos. Apesar da incerteza do futuro, sabemos que podemos confiar em Deus por quem Ele é, e encontramos conforto sabendo que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Em meio ao sofrimento, escolhemos a alegria nele.

Escrito por Kathy Lim, Singapura

Originalmente publicado no @ymi_today, que faz parte de Ministérios Pão Diário, em inglês. Traduzido e republicado com permissão.

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