Como demonstrar fé em meio às crises da vida — Um ano com as mulheres da Bíblia
Os especialistas que investigavam a possessão demoníaca nos tempos do Novo Testamento e os que o fazem na contemporaneidade identificaram três características de uma pessoa endemoninhada.
Primeiro, os traços faciais são distorcidos, às vezes a tal ponto que a pessoa fica irreconhecível. Junto a isso, a pessoa endemoninhada contorcerá o corpo, em alguns casos, ou se agitará fisicamente. Segundo, a voz se modifica, frequentemente se tornando mais grave; assim uma voz feminina parece com a voz de um homem. Terceiro, a pessoa demonstra uma personalidade diferente. Uma pessoa religiosa pode tornar-se grosseira ou obscena. Uma pessoa gentil pode tornar-se agressiva e cruel. Uma pessoa refinada pode usar apenas linguagem vulgar.
Uma filha endemoninhada. Que terrível deve ter sido para a mãe ver sua garotinha se tornar alguém irreconhecível para ela! Ver o brilho de seus olhos substituído por uma dureza cintilante. Ver seu sorriso deformando-se em algo sinistro. Ouvir a voz que não era a voz de sua querida filha. Observar uma personalidade que lhe era estranha e repulsiva. Para onde sua menininha havia ido?
O que tinha saído errado? Em quais aspectos ela falhara como mãe? De que forma ela poderia livrar sua filha daquele demônio amaldiçoado?
Atormentando-se dia e noite, essa mãe desesperada deve ter ido atrás de qualquer terapia a fim de libertar sua filha de tal cativeiro.
Não sabemos como e tampouco o que essa mãe ouviu sobre Jesus. O que lhe disseram que a fez crer que Ele poderia ajudá-la? Sabemos apenas que fora algo que a impulsionou a buscar ajuda no Senhor.
Jesus ministrava na Galileia, uma jornada de vários dias a pé de Jerusalém. Ele não conseguiu escapar dos líderes religiosos que o perseguiam para onde quer que fosse. Porém, não fica claro se o Mestre deixou essa região para evitar confronto com esses líderes ou se Ele simplesmente precisava de um tempo longe das multidões que o cercavam dia e noite. Qualquer que seja o motivo, nós o encontramos abrigando-se perto da cidade de Tiro. E essa mãe foi até Ele em busca de ajuda. Ela lhe implorou para expulsar o demônio de sua filha. No entanto, o texto narra uma reação do nosso Senhor Jesus Cristo que nos choca.
Não gostamos de pensar em nosso Senhor como alguém indiferente à necessidade de uma pessoa. Preferimos um Salvador que sempre esteja pronto para nós, disposto a ouvir nossas orações. No entanto, na primeira vez que essa atordoada mãe se aproximou do Senhor, Ele a ignorou.
Mas a mulher não desistiu. Ela deve ter sido tão persistente que os discípulos não conseguiram mais aguentá-la. Apelaram então a Jesus, pedindo-lhe que a mandasse embora, pois ela continuava incomodando-os. O Senhor respondeu aos discípulos de maneira que parecia não ter nada a ver com o pedido que fizeram. O Mestre simplesmente declarou que a Sua prioridade eram os israelitas.
Não há como precisar o quanto essa mãe sabia sobre a religião dos judeus, mas ela reconhecera a soberania de Jesus e o relacionou com linhagem do rei Davi. Será que ela sabia que estava diante do Messias dos judeus? Não sabemos. Mas o jeito como ela se dirigiu a Jesus indica que sabia algo sobre quem Ele era e isso a fez perseverar diante do silêncio e, em seguida, da exclusão.
As palavras de Jesus não parecem ainda mais duras? Não importa como as interpretemos, Ele parece insultar essa mulher ao usar uma analogia envolvendo “cachorros”. Em essência, Ele estava lhe dizendo que os judeus precisavam ser alimentados primeiro. O que de direito lhes pertencia não deveria ser dado aos outros até que as necessidades deles fossem supridas. Mas essa mulher não foi afastada pela declaração de Jesus, ao contrário, ela deu seguimento a Sua analogia. Ela o ouviu usar a palavra “cachorros” que realmente significava “filhotes”.
Enquanto os adultos do Oriente Médio desprezavam os cães por considerá-los criaturas sujas, nas famílias com crianças, os filhotes eram permitidos na casa como brinquedos. O lugar deles, durante as refeições, era debaixo da mesa. Eles ficavam com as migalhas e, provavelmente, também com os fragmentos de alimentos que deslizavam para debaixo da mesa devido à solidariedade das crianças. Por isso, essa mãe assertivamente respondeu que não se importava desde que usufruísse de tais “migalhas”.
Diante de tamanha demonstração de fé, o Senhor reconheceu como era grande a fé dessa mãe e atendeu ao seu pedido, assim sua filha foi curada. No judaísmo, Jesus sofria resistência e incredulidade de todos os lados. Mas, fora de Israel, a fé dessa mulher pagã o comoveu.
Sua fé é incrível! Ali estava ela, uma cananeia com uma herança religiosa muito diferente da que tinham os judeus. A religião de Canaã era politeísta. Ou seja, as pessoas adoravam muitos deuses. Nos tempos primitivos, os seguidores dessa religião ofereciam sacrifícios humanos. Pelo fato do paganismo canaanita ser radicalmente diferente do culto ao único Deus verdadeiro, Jeová ou Javé, o conhecimento dessa mulher sobre o judaísmo provavelmente era superficial. Mas, a despeito disso, ela acreditava que Jesus poderia ajudá-la.
Esse contraste, entre uma mulher pagã e o judaísmo, altera as perspectivas. Presumimos que a pessoa com o maior conhecimento da Bíblia venha a ser o cristão mais forte, cheio de fé nos momentos de tribulação. Não esperamos muito de alguém que não vai à igreja ou participa de estudos bíblicos. Porém, aqui nos deparamos com a fé persistente e forte dessa mulher sem instrução nem vivência espiritual. Em contrapartida, vemos o grande apóstolo Pedro, aquele que serviu como líder dos doze discípulos, o grande pregador no Pentecostes, a quem Jesus comissionou dizendo: “…alimente minhas ovelhas” (Jo 21.17), sendo repreendido: “Por que você duvidou?” (Mt 14.31). Deus fará vista grossa à falta de conhecimento, mas não à incredulidade.
Pequena fé. Grande fé. Podemos pensar: “Sim, sou mais parecida com Pedro do que com a mulher cananeia. Minha fé não é muita. Ela oscila como um pêndulo. Num momento, estou caminhando sobre as águas, no outro estou afundando e com água até o pescoço.”
A mulher cananeia não permitiu que nada a extraviasse de seu objetivo. Ela afastou os discípulos; ignorou o silêncio de Jesus e Sua observação sobre ter sido enviado apenas ao povo de Israel. Ela simplesmente se recusou a deixar que as circunstâncias a desviassem do seu propósito.
Anime-se! Um pouquinho de fé ainda é fé. Uma gota de água é água em cada partícula tanto quanto um reservatório de água. Uma fagulha é fogo tanto quanto uma labareda. Ainda melhor: uma pequena fé pode se tornar uma grande fé.
Jesus encontrou essa fé genuína numa mulher que clamou por sua filha. Ela não abriria mão e não desistiria. Ela teve a expectativa de vitória mesmo quando Jesus a ignorou e lhe falou com indiferença. Essa mãe simplesmente não aceitou o “não” como resposta. Jesus era a única esperança para a sua filha. Ela viu luz na escuridão e esperou como se Jesus tivesse lhe feito uma promessa em vez de uma recusa.
Charles Spurgeon observou que a grande fé pode ver o Sol à meia-noite. A grande fé pode obter colheitas num inverno rigoroso. A grande fé pode encontrar rios em lugares altos. A grande fé não depende da luz do sol. Ela vê o que é invisível para qualquer outra luz. A grande fé espera em Deus.
Jesus se agradou da intensa fé dessa mulher. Ele olhou para a sua fé do jeito que um joalheiro olha para uma pedra rara, ainda sem ser polida. Ele a provou como um ourives experimentado apara e esmerila as impurezas para retirá-las da superfície da gema. Pelo Seu silêncio e por Sua recusa, Ele a poliu até que sua fé fosse reluzente. Jesus usou a aflição dela para fazer sua fé brilhar como joia rara.
A crise dessa mulher — uma filhinha endemoninhada — levou-a a Jesus Cristo. Sem essa crise, ela poderia ter vivido e morrido e nunca ter encontrado o Salvador.
As crises podem ser um mecanismo de Deus para nos direcionarem a novas maneiras de pensar a respeito dele e para aumentar a nossa confiança no Senhor. Embora prefiramos a saúde, a doença pode ser boa se nos levar até Deus. Preferimos a segurança, mas as dificuldades são pertinentes quando nos levam até Cristo.
Uma mulher cananeia cujo nome desconhecemos, uma estrangeira, nos faz lembrar que, em meio às experiências de crises, podemos esperar e confiar em Deus porque Ele é o único que é digno de confiança.